Atenção: Artigo escrito antes do Marco Civil da Internet (lei 12.965/2014). Tal lei estabelece requisitos específicos sobre a responsabilidade civil por fato de terceiros, especialmente quando aos provedores de serviços.

Sabe-se que provedores de serviço que hospedam blogs, via de regra, não são responsabilizados pelo conteúdo dos referidos blogs. Trata-se do princípio da irresponsabilidade dos provedores de serviços pelos conteúdos apostos por terceiros. Tal regra leva em conta o fato de que a Internet é o meio de comunicação mais anárquico que existe. Ao contrário da TV, em que há um único emissor e milhares de receptores, a internet é composta por milhares de receptores que também são emissores. Tanto é assim que o TJ gaúcho assim entendeu:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PROVEDOR DE INTERNET. BLOGGER. WEBSITES. A ré agindo como mero provedor de conteúdo, armazenando as informações para acesso dos assinantes não pode ser responsabilizada em indenizar à autora, tendo em vista que tal responsabilidade recai sobre àquele que procedeu ao ilícito. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70009660432, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 14/09/2005).

O relator, em seu voto, cita o artigo “A liberdade de expressão em blogs tem limites“, do prof. Marcel Leonardi, que diz:

“Outra questão importante diz respeito aos comentários de terceiros em um blog. De modo geral, o autor do blog não exerce controle editorial prévio sobre os comentários deixados pelos leitores, mas isto não significa que ele não tenha o dever de remover eventuais mensagens ofensivas após ser cientificado de tal fato, sob pena de ser responsabilizado por sua omissão.”

Então, nessa seara, seguindo aquele princípio, não há como responsabilizar o dono do blog por comentários de terceiros. Ademais, os casos de responsabilidade por fato de terceiro estão estabelecidos no art. 932 do CC e não há como entender que se possa exigir do autor do blog um dever de vigilância sobre os comentários, ainda mais se houver uma maciça publicação de comentários. Com isso, entendemos que deve haver uma notificação ao dono do blog para a retirada do conteúdo ofensivo e só depois, na sua inércia, é que se pode responsabilizá-lo pela omissão.

No entanto, a mera notificação não é o bastante para a retirada do conteúdo. Entendemos que a notificação vazia não tem esse efeito. Assim entende também Hugo Daniel Lança Silva, no artigo intitulado “O direito no mundo dos blogs”. Assim diz o autor português:

“A questão merece algum cuidado na sua análise. Uma fórmula demasiado permissiva poderá gerar indesejáveis abusos. Sustentar que uma mera denúncia de um eventual interessado é suficiente para a remoção do conteúdo, sem aquilatar da sua ilicitude, poderá promover perigosas práticas de censura.”

Com isso, seguimos dizendo que é o autor do comentário é que deve ser responsabilizado, no conceito de que é o autor do “ilícito” a pessoa responsável pela ação. Não há nexo causal entre a publicação do blog pelo autor e a vinculação do comentário pelo “ofensor”. O nexo causal se dá na ação de quem publica o comentário ofensivo, e não o dono do blog, em analogia com a questão dos provedores. Se o Orkut, como empresa, com todos os recursos disponíveis, não é responsável pelas manifestações feitas em suas páginas, não há como se exigir que o dono do blog o seja, em outra analogia.

Sérgio Cavalieri, ao falar sobre o nexo causal, nos ensina que a teoria adotada pelo nosso CC é o da Causalidade Adequada. Assim diz:

“Entre duas ou mais circunstâncias que concretamente concorreram para a produção do resultado, causa adequada será aquela que tem interferência decisiva”1.

A ação ou omissão sozinha era capaz de produzir o dano? Com base na teoria da causalidade adequada, é possível questionar a responsabilidade do autor do blog por comentários dos internautas: a simples publicação do blog, por si só, foi o ato que causou o dano ao ofendido? Entendemos que não, justamente pela falta de nexo causal. Não se pode responsabilizar alguém por ato que não tenha dado causa, exceção feita à responsabilidade por fato de terceiro, nos termos do art. 932 do CC.

No entanto, argumento contrário poderia ser realizado sustentando-se que a simples publicação de um blog criaria no autor um dever de vigilância, baseado no princípio da boa-fé objetiva. Esse dever de vigilância advém da circunstância de que há a previsibilidade da ocorrência do risco de inserção de comentários desabonatórios no blog. É a famosa teoria do risco, do parágrafo único do art. 927 do CC:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Em função dessa previsibilidade objetiva, nota-se a relevância da omissão do autor em não vigiar os comentários dos internautas. Em função da criação do blog, nasceria a hipótese de risco da ocorrência desse resultado. Porém, esse argumento merece críticas: o artigo é claro: “atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano”. Não há palavra inútil na lei, devendo a interpretação de um texto legal observar todos as palavras dispostas na lei. Isso significa que terceiros estranhos à relação não estão abrangidos, uma vez a lei estabelece que a atividade deve ser desenvolvida pelo autor do dano. Ele não se aplica aos provedores de serviço que publicam os blogs, por exemplo. Em analogia com o que ocorre com os provedores de serviços (como o Orkut, por exemplo), entendemos que uma vez que estes não são responsáveis pelo conteúdo dos seus clientes, o mesmo deve acontecer com o autor do blog. A outra crítica é a questão de que o nascimento do blog deve vincular seu autor pelas suas próprias ações e nunca pelas ações dos outros, em plena observância do nexo causal baseado na teoria da causalidade adequada.

O artigo “A RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DE SITE QUE UTILIZA “FÓRUNS DE DISCUSSÃO” de Demócrito Reinaldo Filho, discute o assunto. Este artigo refere-se a uma decisão de uma corte argentina que reconheceu a responsabilidade do proprietário e da empresa de manutenção do site por mensagens postadas no livro de visitas. O argumento principal da decisão foi de que havia um disclaimer informando que as “mensagens poderiam ser retiradas no caso do conteúdo ser inconveniente para outras pessoas que visitem esta seção”. Com isso, o mantenedor do site trouxe para si o controle editorial do conteúdo publicado por terceiros. Tudo isso levando em conta  o conceito de responsabilidade objetiva, ou seja, sem a necessidade de se provar a culpa. A culpa nesse caso seria a prova de que o mantenedor do site sabia do conteúdo ilícito das mensagens. No entanto, essa decisão parece-nos em descompasso com a lógica, fato que o próprio autor do artigo reconhece. O autor diz que a “operação informatizada de processamento de dados não pode ser considerada, por si só, como uma atividade potencialmente periculosa, de risco especial…”.

Ninguém nega que o controle editorial do que o autor do blog escreve é de sua inteira e inegável responsabilidade. Porém, ele continua dizendo também que dependendo da área do site, no caso o blog, há áreas onde seu controle editorial desaparece: exatamente nas áreas em que terceiros ou visitantes escrevem suas opiniões. Não há um controle prévio do conteúdo, mas sim POSTERIOR. Só poderia ser responsabilizado, na opinião de Demócrito Filho, se tivesse conhecimento do caráter ilícito da mensagem. Ele ainda acrescenta que o mantenedor do site deve ser responsabilizado pelo conteúdo quando não estabelece meios para identificar o autor da mensagem ofensiva ou danosa. Esses meios seriam caracterizados pela guarda de arquivos de logs que gravem os endereços IP’s dos internautas que realizem postagens nos seus sistemas.

Daí que trazemos à baila os ensinamentos de Sofia de Vasconcelos Casimiro2. Ao falar sobre o dever de controle, a autora ensina: “Esse elemento consiste na imposição de um dever jurídico de controlo de conteúdo da informação transmitida e, sobretudo, na verificação de uma possibilidade técnica de efectuar esse controlo…”3. Ou seja, o dever de controle deve ser visto dentro de um contexto relativo, proporcional à conduta mediana através do princípio da boa-fé objetiva. Assim, a exigência de um controle excessivo, por exemplo, pode inviabilizar a atividade de um provedor ao estabelecer controles exageradamente onerosos ou impossíveis técnica ou faticamente de serem implantados. É o princípio da razoabilidade: não se pode onerar excessivamente a atividade de publicação nos blogs, sob pena de afetar a sua livre publicação e a livre manifestação de pensamentos.

Se estabelecêssemos a obrigação do autor do blog responsabilizar-se pelos comentários de terceiros, chegaríamos à situação absurda do autor ter que ficar on-line 24 horas por dia num constante monitoramento, para evitar qualquer possível comentário potencialmente ofensivo. É impossível tanto técnica quanto faticamente realizar este controle.

Um blog não deixa de ser um microcosmo da Internet (o macrocosmo). Na Internet, os autores das páginas, a priori, é que respondem pelo seu conteúdo, não se responsabilizando os provedores de serviços de hospedagem. O núcleo da Internet e do próprio serviço de blogs leva em consideração a livre manifestação de pensamento, sendo os comentários dos internautas motivadores para o autor escrever mais. Responsabilizar a autor do blog pelos comentários apostos por terceiros é descaracterizar a natureza livre dos blog e da própria Internet.

Ademais, enxergamos a impossibilidade de o autor do blog, uma pessoa comum, conseguir controlar com base em requisitos jurídicos, potenciais comentários ilegais. Esse controle “preventivo” só poderia ser realizado seguramente por um advogado ou por uma assessoria especializada. Pensar o contrário seria esperar demais do homem médio. Lembramos, mais uma vez, o princípio da boa-fé objetiva que requer um grau de cuidado moderado, atinente ao homem comum. Exigir cuidados extremos por parte do dono do blog fere o referido princípio.

Este é o ponto nodal da questão: o blog tem seu conteúdo acrescido de duas formas: pelo autor e dono do blog e pelos comentários de qualquer internauta. Entendemos, por fim, que cada um deve ser responsabilizado isoladamente por suas opiniões manifestadas naquele espaço.

1 - CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil.  6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 74.

2- CASIMIRO, Sofia de Vasconcelos. A responsabilidade Civil pelo conteúdo da Informação transmitida pela Internet. Lisboa: Almedina, 2000.

3 - Idem. Ibidem, p. 100.