É interessante fazer a distinção entre Contratos Informáticos e Contratos Eletrônicos, uma vez que há grande confusão entre os dois conceitos. Os contratos Informáticos são aqueles que envolvem a prestação de um serviço de cunho tecnológico, geralmente ocorrendo entre pessoas jurídicas, podendo ou não ser realizado de maneira virtual ou remota. Nota-se que o traço que o distingue do contrato eletrônico é que seu objeto sempre será relacionado com alguma atividade eminentemente tecnológica. Entre muitas atividades abrangidas nos contratos informáticos temos a prestação de um serviço de análise de risco, controle de segurança, prestação de um serviço de contingência ou continuidade de negócios digitais, a instalação de um Firewall, a contratação de um link, a terceirização de governança em TI, terceirização da atividade de desenvolvimento de software etc.
Ao contrário dos contratos informáticos, os contratos eletrônicos são aqueles em que o meio utilizado para a manifestação de vontade dos contratantes é o computador ou a Internet. A utilização do “meio eletrônico” é a característica que define um contrato como sendo “eletrônico”. Com isso, o consumidor que realiza uma compra via internet está aderindo a um contrato eletrônico. Em sendo assim , nada impede que um contrato seja ao mesmo tempo informático e eletrônico, quando abranger as características já expostas. Em geral, tais contratos [os eletrônicos] ocorrem em relações consumeristas, atraindo para si todos os ditames advindos da utilização do Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, o foco deste pequeno artigo é o Contrato Informático. Em que pese não haver uma legislação específica para a formação destes contratos, eles podem se constituir de forma livre. Isso significa que não há forma pré-determinada ou cláusulas obrigatórias estabelecidas pela legislação contratualista. No entanto, a doutrina de Direito da Tecnologia nos recomenda a observância de algumas cláusulas fundamentais que tais contratos devem trazer. Entre muitas cláusulas necessárias nesses contratos, trazemos cinco, quais sejam:
– Glossário – Tais contratos, por abrangerem situações muito específicas, podem dar margem a diversas interpretações aos termos técnicos abordados na minuta contratual. Visando, portanto, evitar o aparecimento do risco jurídico e diminuir, desde já, a ocorrência de futuros litígios envolvendo a interpretação de alguns termos é que nasce a necessidade de utilizar um glossário esclarecendo o sentido dos termos técnicos envolvidos.
– Cláusula de Confidencialidade – Em face da atividade tecnológica quase sempre lidar com informações sensíveis e algumas vezes confidenciais é imprescindível a utilização desta cláusula. Ela estabelecerá quais as obrigações das partes em relação à proteção das informações que o contrato atingirá. Tais cláusulas estabelecem também o nível de proteção que cada parte deverá ter com a informação, os termos de divulgação da relação contratual e até mesmo regras sobre como as empresas deverão instruir seus colaboradores para a melhor proteção da informação. Importante dizer que a definição de uma determinada informação como confidencial pode dar azo até a uma resolução contratual pelo inadimplemento da obrigação ali estabelecida. Esta cláusula poderá estabelecer o tratamento dos logs envolvidos na operação, sua destruição ou até mesmo “devolução”, caso seja possível, e a possibilidade de auditabilidade da operação. A questão da auditabilidade poderá se dar até mesmo como obrigação pós-contratual, estabelecendo a obrigatoriedade das partes manterem os logs da operação guardados por um período pré-estabelecido no contrato.
– Cláusula de caso fortuito – O caso fortuito ou de força maior (act of god na doutrina americana) deve também ser tratado em tais contratos. Defendemos o conceito de “caso fortuito digital” (conceito a ser melhor explanado em outro artigo). As situações chamadas de “caso fortuito digital” podem ser pré-estabelecidas no contrato. Isso para o caso de na sua ocorrência, poder se alterar, atrasar ou até mesmo modificar os termos de prestação e prazos. Exemplos de caso fortuito digital são os ataques mundias e imprevisíveis de vírus, falhas ou bugs imprevistos em softwares, queda de links ou backbones etc. A previsão de tais casos no contrato serve também para evitar a posterior discussão judicial de inadimplemento obrigacional em tais situações. Ademais, o art. 393 do Código Civil, no título de Inadimplemento das obrigações é claro em estabelecer:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
– Cláusula de prova eletrônica – A cláusula de prova eletrônica é importante na medida em que estabelece que tipos de logs ou registros devem ser guardados, e por quanto tempo, a fim de constituir futura prova de algum ato ou fato relacionado com o escopo contratual. Questões como o monitoramento de operações e comunicações pode ser previsto nessa cláusula onde se dará, se for o caso, o consentimento das partes para o possível monitoramento. Já há decisões judiciais em que a empresa foi responsabilizada por não manter logs de sua atividade. Esse dever de guarda e armazenamento (dever este colateral derivado do princípio da boa-fé objetiva) deve sempre ser observado. Nesta cláusula também se estabelecerá, se for o caso, as questões relativas à assinatura digital (através do uso da MP 2.200-2) e de que forma tal tecnologia será utilizada a fim de garantir o conceito de “não repúdio”.
– Cláusula de proteção de direitos autorais – A cláusula de direitos autorais estabelecerá os limites e a forma que a questão da propriedade intelectual será tratada na prestação do serviço. Nos casos de contratos informáticos de Outsourcing de Desenvolvimento de Software, por exemplo, deve haver uma atenção especial a esta cláusula. A lei 9609/98, entre várias estipulações, estabelece em seu art. 4º…
“Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário…”.
A primeira parte do artigo, ao mencionar a expressão “salvo estipulação em contrário”, dá margem à liberdade contratual de se estabelecerem disposições diferenciadas neste sentido. Ainda em relação aos direitos autorais, o contrato pode prever que se instituirá uma política de uso ou de segurança, nas organizações partes, para a gestão de direitos autorais, visando afastar o risco jurídico advindo do mau uso da tecnologia por colaboradores ou terceiros envolvidos.
Por fim é importante dizer que tais cláusulas não são exaustivas, constituindo-se o Contrato Informático em um instrumento diferenciado composto por diversas cláusulas pouco vistas em outros contratos negociais. Além das cláusulas mencionadas, há inúmeras outras igualmente importantes para a elaboração de um contrato seguro. Daí a importância do advogado que trabalha com Direito da Tecnologia conhecer profundamente a atividade tecnológica sobre a qual desenvolve sua atividade.