Atenção: Artigo escrito antes do Marco Civil da Internet (lei 12.965/2014). Tal lei estabelece requisitos específicos sobre a retirada de conteúdos da Internet.
Recentemente tivemos notícias de alguns acordos dos MP’s estaduais com o Google Brasil no sentido de que aqueles possam retirar conteúdos ofensivos do site Orkut. Em geral, seriam concedidos poderes de administração na rede do Orkut para que conteúdos pré-taxados de ilegais sejam retirados de circulação. No entanto , entendemos haver alguns problemas legais nessa atuação do MP.
É inegável que a questão de crimes digitais no Orkut é assunto que merece discussão. Todos concordam que o site de relacionamentos é utilizado para o tráfico de drogas, divulgação de pornografia infantil, ameaças, além de outros crimes. No entanto, ao mesmo tempo que podemos identificar facilmente casos mais evidentes, entendo que pode haver um abuso de poder por parte do MP em retirar conteúdo legalmente publicado.
A tipificação de um conteúdo como ilegal deve passar necessariamente pelo crivo de uma análise judicial. Não podemos, com o argumento de que precisamos agir rapidamente nos casos de crimes digitais, suprimir a instância judicial. Há a garantia constitucional do devido processo legal que, mesmo nesses casos, não deve ser desrespeitada.
Sabemos que um promotor não é um juiz. A frase é por demais óbvia, mas importa em reconhecer que um promotor não tem os mesmos poderes de um juiz. Devemos ressaltar que não se quer aqui desprestigiar a atuação do MP que, nos casos de crimes digitais, é importantíssima. No entanto, vemos que um promotor não tem o poder de fazer cessar a publicação de conteúdos legalmente publicados na Internet. Se houver a necessidade, há que se buscar uma ordem judicial para tanto, sob pena de atropelarmos o princípio do devido processo legal (due process of law). Portanto , nos preocupamos não com os conteúdos manifestamente ilegais publicados, mas sim, nos que estejam em uma zona fronteiriça.
Com isso, devemos ressaltar não se tratar, somente, de uma questão de direito material: não se quer defender a publicação de conteúdos ilegais na Internet. O que se quer aqui é ordenar o procedimento legal para a retirada de conteúdo. É certo que conteúdos ilegais devem ser retirados do ar de forma mais rápida possível. No entanto, este ato, por mais urgente que seja, deve acompanhar a lei, ou seja, ser precedido de uma ordem judicial. Nossa Constituição é clara em seu art. 5º IX em afirmar:
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Uma atuação do MP, nesses casos, poderia ferir a garantia constitucional de liberdade de expressão. Mais uma vez, relembramos: um juiz deve interferir em cessar a publicação de qualquer conteúdo. Entendemos, portanto, que esses convênios deveriam se dar com o judiciário e não com o MP. A liberdade de expressão, como garantia, não deve ser ameaçada por ato de quaisquer autoridades em uma democracia. Igualmente, é sabido que o Estado tem o dever de fazer cessar publicações criminosas. Então, através do princípio da proporcionalidade devem coexistir esses dois valores.
Por fim, vemos ainda a possível responsabilização do Google Brasil em atender retiradas de conteúdos que, após um procedimento legal, não fossem considerados ilegais. A mera requisição de uma parte atingida ou até do MP, não pode ter o mesmo poder de um juiz em ordenar a retirada de um conteúdo de publicação.