Atenção: Este artigo foi escrito no ano de 2008 e é mantido para fins de histórico. Desde então, a lei 11.111/2005 foi revogada pela lei 12.527/2011 e o decreto 4553/2002 foi revogado pelo decreto 7845/2012.
Ao ler um post no blog do Camargo Neves, lembrei que havia feito uma pesquisa há algum tempo acerca da venda de informações sigilosas por camelôs. Na época, em abril de 2007, foi amplamente divulgada a ocorrência da venda dessas informações. No post citado, o autor comenta sobre o fato de alguns camelôs em SP venderem dados relativos às declarações de IR. Em que pese o assunto ser extremamente fértil para a discussão da eventual responsabilidade civil do Estado (nesse caso o Estado responde através da responsabilidade objetiva – art. 37 §6º da CF e art. 43 do Código Civil), quero abordar apenas alguns aspectos penais da questão. Vamos adotar dois focos de responsabilidade nesse caso: uma abordando a responsabilidade do agente público que deixa vazar a informação e a outra do agente que vende a informação, ou seja, o camelô. Importante também ressaltar que partirei da premissa hipotética de que um funcionário público forneceu voluntariamente as informações. Vamos, então, à tipificação legal.
Em geral tais ações são tipificadas como “violação de segredo”. Do ponto de vista do agente público que fornece voluntariamente as informações, entendo que há a tipificação do crime de Violação de Sigilo Funcional, nos termos do art. 325 do Código Penal:
Art. 325 – Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 1º Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:
I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;
II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.
§ 2º Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Podemos notar aqui que o agente que “permite ou facilita… o acesso de pessoas não autorizadas” também comete o mesmo crime. Basta o acesso de pessoas não autorizadas. No entanto devemos notar que este crime pode ser praticado apenas por funcionários públicos especificamente em sistemas da Administração Pública (ao contrário do art. 153 §1A). Caso esta mesma situação ocorresse em outros sistemas ou banco de dados que não fossem da Administração Pública, o agente não poderia ser enquadrado nesse tipo legal. A lei estende, em alguns casos, o entendimento do conceito de “funcionário público” através do art. 327 do Código Penal.
Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º – Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
§ 2º – A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
Essa equiparação lembra um caso ocorrido em uma universidade federal em que um estagiário foi comparado a funcionário público para a tipificação do crime de Inserção de dados falsos em sistemas de informações, do art. 313-A do Código Penal. Neste caso, o estagiário, que também era aluno, inseriu e alterou os dados da universidade relativos às suas notas nas cadeiras que cursava.
Já para o camelô que vende os dados sigilosos, entendo que há a tipificação do crime de Divulgação de Segredo de acordo com o art. 153 §1o-A do CP:
§ 1º-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º-A Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada.
Mas como definir o que é uma informação confidencial ou sigilosa? O sigilo sobre esses dados é garantido tanto pela nossa Constituição Federal em seu art. 5º, inc. X (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação) e também no art. 7º, pár. único da lei 11.111/2005 que diz:
As informações sobre as quais recai o disposto no inciso X do caput do art. 5o da Constituição Federal terão o seu acesso restrito à pessoa diretamente interessada ou, em se tratando de morto ou ausente, ao seu cônjuge, ascendentes ou descendentes, no prazo de que trata o § 3o do art. 23 da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991.
Ademais, temos também o decreto 4553/2002 que dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal, que dispõe em seu artigo 37:
Art. 37. O acesso a dados ou informações sigilosos em órgãos e entidades públicos e instituições de caráter público é admitido:
II – ao cidadão, naquilo que diga respeito à sua pessoa, ao seu interesse particular ou do interesse coletivo ou geral, mediante requerimento ao órgão ou entidade competente.
Em sendo assim, essas são as breves considerações acerca da tipificação de crimes envolvendo o fornecimento e venda de informações.